Seis cartas trocadas entre indígenas potiguaras em 1645, os únicos textos conhecidos escritos por indígenas em tupi nos tempos coloniais, foram traduzidas para o português pela primeira vez.
As cartas foram escritas no contexto da Insurreição Pernambucana , quando tensões religiosas – que surgiram durante a ocupação holandesa do Nordeste – eclodiram em uma guerra entre portugueses e holandeses, com indígenas nos dois lados.
Elas contêm diálogos entre Pedro Poti e Antônio Paraopeba, caciques que foram levados à Holanda após uma invasão mal sucedida em 1625, e Felipe Camarão, convertido ao catolicismo e militar que lutou pelo exército português.
Os três discutem sobre a perda de suas tradições e citam informações específicas sobre o conflito, como os nomes dos caciques que morreram na guerra e os lugares em que eles lutaram.
Do lado português, Camarão escreveu aos parentes pedindo que deixassem os “hereges” holandeses e afirmando que os indígenas precisavam se unir, pois eram do mesmo sangue e não podiam se matar daquela maneira.
Poti e Paraopeba responderam que não havia motivo para apoiar os portugueses, já que eles só fizeram mal para seu povo: escravizaram e praticaram violência contra os potiguaras.
As seis cartas preservadas são do período entre agosto e outubro de 1645, e são todas de Felipe, pois, diferentemente dos portugueses, os holandeses preservaram esses registros, que estão até hoje na Biblioteca Real de Haia.
Algumas tentativas de traduzir as cartas já haviam sido feitas desde sua descoberta pelo historiador José Hygino Duarte Pereira, em 1885, mas o primeiro a ter sucesso foi o professor Eduardo Navarro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
De acordo com o pesquisador, especialista em tupi antigo e em literatura do Brasil colonial, isso só foi possível graças ao trabalho que realizou de elaborar um dicionário de tupi antigo, que publicou em 2013.
Ele também afirma que o fato de as cartas terem sido escritas pelos próprios indígenas permite observar como a língua era de fato utilizada por eles, confirmando que os missionários que a registraram a descreveram corretamente (ao contrário do que suspeitavam alguns estudiosos).
Além da contribuição geral para a cultura brasileira, o trabalho tem uma importância pedagógica. Desde 2001, Navarro dá aulas de tupi para potiguaras na Paraíba, que tinham deixado de falar sua língua e hoje buscam uma afirmação da sua identidade através do idioma.
Créditos Reportagem: @jalvesmendonca
Fio: @sebas_moura
Jornal da USP - https://jornal.usp.br/cultura/pesquisa-revela-troca-de-cartas-em-tupi-entre-indigenas-do-seculo-17/
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educação